A coisa mais natural do mundo
O parto de minha mulher tinha tudo para ser mais uma cesárea. Tiago tinha duas voltas de cordão umbilical no pescoço e a bolsa de água já tinha estourado havia mais de 24 horas, sem sinais de contração. Eram 9 da noite em minha casa em Ubatuba, numa praia afastada cerca de 20 minutos do hospital mais próximo.Na cena, minha mulher, eu e Zaki, a parteira.Resolvemos meditar os três para a criança nascer. Duas horas depois, Carol entrou em trabalho de parto. A dilatação começou a aumentar lentamente. Zaki controlava as batidas cardíacas do bebê e a dilatação. Chás, florais, massagens e até acupuntura ela usou durante a madrugada inteira. Ao nascer do dia, junto com o primeiro raio de sol, Carol deu à luz um bebê lindo, que depois ganhou o nome de Tiago. O que para nós foi uma alegria profunda, para nossos pais e amigos foi um ato cujos adjetivos derivaram entre "coragem" e "loucura". Só minha avó deu de ombros: "Foi assim que tive sua mãe e meus outros quatro filhos...".
Minha avó parece ter razão.Afinal, é dessa forma que a mulher dá à luz desde que o mundo é mundo, certo? Errado. Pelo menos é o que dizem os números. Segundo dados do Sisnac (Sistema Nacional de Nascidos Vivos), o índice de cesáreas em hospitais privados no Brasil oscila entre 70% e 90% do total de partos. E ao que parece não é só minha avó que está errada."Deus errou.Devia ter colocado nas mulheres brasileiras um zíper na barriga", diz, em tom de ironia, Adailton Salvatore Meira, médico homeopata e ginecologista, atual coordenador da Rehuna (Rede pela Humanização do Parto e Nascimento).
Para Adailton, a mulher hoje em dia recebe pouca ou nenhuma informação por meio da tradição - a velha transmissão oral de mãe para filha. E não se pode nem esperar que ela, coitada, encontre sozinha o caminho natural para parir, tão envolta está nos afazeres, no trabalho, na lida cotidiana. "Falta tempo para a mulher escutar o corpo falar."
Para o escritor e mitólogo Joseph Campbell, a mulher moderna esqueceu seu elo com a natureza. "A mulher afastou-se da terra, desconectou-se da própria natureza e passou a andar longe de sua essência. Para as sociedades primitivas, a mulher dá à luz assim como a terra faz brotar as plantas. A magia da mãe e a magia da terra são a mesma coisa, relacionam-se."
O resultado desse esquecimento é que hoje não são mais mães ajudando outras mães a dar à luz.A mulher grávida tornou-se paciente e passou a gerar a vida em macas cirúrgicas, deitada, tendo seu filho extraído da barriga e em seguida levado à enfermaria. Pior: nesse afã médico, estamos retirando do bebê a chance de vencer sua primeira batalha na vida: a de nascer naturalmente.
O que terá acontecido? A mulher desaprendeu a parir? Ou os médicos desaprenderam a fazer partos naturais? A pergunta pode parecer como aquela do ovo e da galinha, mas a resposta é muito mais complexa, e esta reportagem não pretende esclarecer esse enigma. A pretensão também não é condenar a cesárea, que, quando necessária, pode salvar vidas.Mas apenas apontar um outro caminho: a tendência crescente em todo mundo para uma gravidez mais, digamos, natural, culminando com um parto também natural. Uma volta às origens, por assim dizer, mas sem abrir mão da segurança e da sabedoria acumulada pela medicina ao longo dos anos para garantir um bebê saudável.
A gravidez natural inclui princípios de uma dieta saudável e nutritiva, assim como ioga, massagem e um aprofundamento da consciência sobre o corpo que irá ajudar a mulher a ter confiança e equilíbrio emocional para o processo do parto, seja ele natural ou não. Sim, porque, mesmo no caso de uma cesárea, todos esses cuidados só farão bem.
A vida é bela
Tudo começa lá atrás, pouco depois da fecundação do óvulo pelo espermatozóide. Hormônios percorrem o corpo da mãe, seus seios incham.Vocês fazem o exame e, bingo: parabéns, estão grávidos. Durante nove meses, sua vida será cheia de situações novas.
Nessa hora,mulher, a conversa inicial é com você.Mais do que nunca, é tempo de manter o equilíbrio emocional." Uma gestação feliz e saudável tem chance de garantir uma criança mais segura e preparada para a vida", diz a professora de ioga Márcia de Luca. A primeira coisa a fazer é tomar consciência de que existe uma vida em seu ventre. Mudar seu eixo do eu, ou do eu-e-meumarido, para algo maior: um bebê, que depende só de você.O mundo dele agora é seu mundo. Tudo que você pensar, sentir, comer,ouvir e falar será transmitido a ele, de alguma forma.
Sim, é preocupante. Pensar que qualquer medo pode ser nocivo à criança faz a gente ter medo de ter medo, e não é preciso muito para entrar em pânico. Pare. Pensamentos e preocupações têm cura. E essa enxurrada de sofrimentos tem um antídoto: meditação.
Meditar na gravidez é tão importante que, no Japão, ao descobrir a gravidez, as gestantes são estimuladas a praticá-la diariamente. Conhecida como tai kyo, essa técnica milenar japonesa consiste em conversar com o bebê e evitar qualquer coisa que traga emoções negativas, como filmes violentos, músicas muito agitadas e cenas tristes.
"A meditação é o melhor refúgio para a grávida", diz a terapeuta carioca Maria de Lourdes Teixeira, a Fadynha, introdutora do método shantala (massagem para crianças) no Brasil. Em seu livro Meditações para Gestantes, Fadynha ensina técnicas que ajudam a mulher a controlar "a montanha-russa de emoções que é a gravidez". Entre as várias práticas,Fadynha chama atenção para a visualização mental da criança ainda no útero. A gestante deve sentar-se num lugar calmo, fechar os olhos, respirar e imaginar o corpo do bebê: braços, pernas, cabeça e até mesmo os dedos das mãos. Depois, imaginá-lo dentro do líquido amniótico morninho dando cambalhotas, livre dos efeitos da gravidade."Converse com o bebê.A conexão física e emocional é estabelecida antes do nascimento. Reforce o vínculo entre mãe e filho enviando mensagens carinhosas ao seu filho", sugere a terapeuta. Outra boa idéia é a arteterapia."A mulher fica mais inspirada, e os trabalhos manuais ajudam a torná-la mais centrada", diz ela. Dá até para aproveitar e fazer uma peça do enxoval. Para que comprar tudo pronto?
Entrando no pique
O corpo precisa de atividade e movimentação. Isso não significa ficar sarada, ter o abdômen definido ou os glúteos redondos, mas suar e produzir endorfina, um calmante natural. Há várias atividades adequadas para a situação: tai chi, hidroginástica, natação, caminhada e ioga. "Especialmente na gravidez, a prática de ioga contribui para que a mulher perceba as transformações físicas e psicológicas, centrando a atenção no corpo e na mente", diz Márcia de Luca."E a ioga alonga e tonifica os músculos, fazendo com que a gestante não fique com os movimentos restritos no fim da gravidez".
O corpo vai pedir também atenção à alimentação. É normal a mulher ganhar peso e sentir mais fome, mas não é por isso que você vai se entregar à gula. "Não engordar em demasia é um dos requisitos para ter uma gravidez saudável. Não precisa ser repressão total, mas vá à mesa com parcimônia", diz Marcos Tadeu Garcia, médico ginecologista e obstetra adepto do parto humanizado. "O bebê se alimenta do que você come. Antes de se entregar aos tais desejos da gravidez, pense que você está dando aquela comida à criança", diz ele.
Agora, o maridão
Para que a vida fique ainda mais zen, entra em cena o companheiro, peça-chave nessa saga. Não basta ser pai ou mero observador, tem que participar, ter paciência, tolerância e compaixão. Enfim, ler muito Dalai Lama.Você, maridão, deve colaborar para não praticar seus vícios (fumar,beber, comer fast food ou tomar refrigerante) na frente da mulher.E ainda demonstrar orgulho pela barriga dela, mergulhando rumo ao coração do bebê. Toque a criança, acaricie-a, fale com ela. Seja solidário.
A gravidez não é, como muitos dizem, uma TPM de nove meses. Mas são sim, não vou enganá-lo, nove meses de mudanças hormonais (e acrescente mais alguns meses depois). Caso você esteja encontrando dificuldades no relacionamento nessa fase, siga os passos da grávida natural: pratique ioga, esportes e meditação e tenha uma alimentação saudável.Na pior das hipóteses, você irá melhorar o equilíbrio emocional, ganhar autoconhecimento e ainda ficar em forma.Afinal, o homem também passa por um processo de adaptação, que envolve ansiedade, tensão, preocupações e mudanças de personalidade para assumir a nova identidade e a postura de um futuro pai.
Para praticar a intimidade, nada melhor que sexo. Detalhe: durante todos os nove meses."Fazer amor durante a gravidez é perfeitamente seguro", diz Janet Balaskas, diretora do Centro de Parto Ativo em Londres e autora de diversos livros sobre o assunto.
Sim, as relações são diferentes, mas não é preciso decorar o Kama Sutra. Basta escolher posições que não comprimam a barriga (de lado, de costas e por aí vai).O importante é que a relação envolva muito carinho, pois o relacionamento agora é a três, o bebê está junto, percebendo, sentindo, e ele ficará feliz ao captar as emoções entre vocês.
Há quem sinta mais desejo sexual durante a gravidez.Mas é possível também que o tesão diminua. Normal. Logo passa. Compensem então com companheirismo, proximidade, massagens gostosas, cafunés.Uma coisa é certa: a mulher precisa de muito carinho.
Crepúsculo dos deuses
Eu e minha mulher queríamos muito ter tido um parto natural. Pesquisamos, lemos, escutamos, procuramos. Minha mulher fez ioga, nadou, meditou, respirou e se programou mentalmente. Eu li o Dalai Lama. Mas foi só na hora que as contrações se aceleraram que pude compreender a importância de ter alguém do nosso lado a nos guiar.Uma mãe ensinando os passos à outra. Era tarde da madrugada e Carol respirava incessantemente, centrada em cada sopro, andando de um lado para o outro da casa com cara de dor. Quando a criança começou a descer, porém, ela usou cada contração para ajudar a criança a vir ao mundo. Pariu em silêncio, consciente, respirando. Carol não sabia de nada, mas tudo aconteceu tão naturalmente que parecia que ela sabia de tudo.
Para a médica britânica Janet Balaskas, a explicação é científica. "Quando a mulher dá à luz na posição vertical, sem auxílio de drogas, ela está usando a parte mais primitiva do cérebro, uma parte que temos em comum com todos os mamíferos e que secreta os hormônios necessários, que atuam sem a necessidade de nenhum hormônio sintético." Para quem tem medo de não saber parir, Janet Balaskas manda um recado:"O corpo da mulher é sábio. Basta que ela o escute e saberá tudo".
Quando olho para trás e lembro que, ao nascer, nosso filho foi direto ao seio de minha mulher e, depois, veio ao meu colo, fico feliz em saber que é sim possível a mulher parir no seu tempo, sem intervenções. E que também é possível recuperar o elo perdido com a natureza e dar à luz da mesma forma como faziam nossos antepassados.
texto extraído do site Vida Simples (http://vidasimples.abril.com.br/subhomes/equilibrio/equilibrio_237869.shtml?pagina=0)
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